Saturday, January 3, 2009

Pedagogia do coito

Quem sabe conjugar o verbo coitar no presente, no passado e no futuro, sabe que é verdade que o desempenho coital, a performance sexual, depende de vários ingredientes: da experiência, da ocasião, da outra pessoa, da química, do grau de apetência, da capacidade de aquecer, do envolvimento, do grau de repugnância, do espírito de sacrifício, da função instrumental do acto, da inspiração, da imaginação, etc.

Com efeito, um coito pode servir diferentes necessidades: físicas, emocionais (emoções positivas e negativas – explorarei, noutro post este assunto), de contacto com alguém, de desespero, de manutenção de uma ligação, de concepção de um novo ser, de ponto de partida para algo mais, and so on.

É por isso que há vários tipos de sexo: sexo roubado (violações), sexo tolerado (fazer o frete), sexo descartável (aliviar o corpo), sexo instrumental (trabalho), sexo inconsciente (sob o efeito de substâncias várias) sexo hedonista (por prazer), sexo imaturo (para agradar a outra parte) , sexo pressionado (incapacidade de dizer não), sexo por amor (entrega de si próprio), sexo espiritual (dimensão sagrada) e porventura muitas outras modalidades porque o assunto não tem fim e as motivações são múltiplas. Contudo, é nesta última forma que me quero fixar, para já: a do sexo sagrado.

Se os caminhos para Deus são infinitos e se cada ser gnóstico encontrará o seu próprio, então o sexo pode também ser uma das vias para se encontrar com Deus, ou não fosse a sexualidade uma das componentes do equipamento básico da condição humana, e portanto, uma dádiva da criação.

Sigamos Paulo Coelho (um dos autores mais vendidos em todo o mundo, que dispensa apresentações, …), em Onze minutos, na nota final:
“Como acontece a todas as pessoas do mundo – e neste caso não tenho o menor receio de generalizar – foi difícil descobrir o sentido sagrado do sexo. A minha juventude coincidiu com uma época de extrema liberdade nessa área, com descobertas importantes e muitos excessos, seguida de um período conservador, repressivo, preço a ser pago por exageros que realmente deixaram sequelas um pouco duras”.

Ora se para Paulo Coelho lhe foi difícil atingir tal dimensão, imagine-se então para os herdeiros do legado judaico-cristão: sexualidade com culpa (primado do sexo procriativo sobre o sexo “recreativo”), incongruências sexuais (confusão e contradições), homens (sentido literal do termo) divididos entre a razão e o coração, dupla moral (uma moral consentida para os homens e outra intransigente para as mulheres), a castração feminina (mulher eunuco), etc. e já não é pouco. A grande maioria passa ao largo.

Ciente desse facto, Paulo Coelho assume em Onze minutos uma pedagogia do coito. A obra tem como personagem principal uma prostituta, Maria, alguém que à semelhança de todas as prostitutas “tinha nascido virgem e inocente e durante a sua adolescência sonhara encontrar o homem da sua vida (rico, bonito, inteligente), casar (vestida de noiva), ter dois filhos (que seriam famosos quando crescessem) e viver numa linda casa (com vista para o mar). Vista por este prisma, como é injusta a vida! …. Quantas toneladas de desilusões comporta a vida … ?
A tese principal da obra é a de que o acto sexual demora, em média, onze minutos. Maria não deveria estar mais de 45 minutos com um cliente, sendo que o sexo propriamente dito demorava onze minutos. Os restantes seriam passados a despir-se, a conversar um pouco, a fazer algum carinho e a vestir-se novamente. Assim, “O mundo girava em torno de algo que demorava apenas onze minutos” e os seus clientes, homens importantes e arrogantes no seu dia-a-dia, deveriam ser tratados sem constrangimentos e deixados à vontade, já que pagavam 350 francos suíços (a acção decorre na Suíça) “para deixarem de ser eles durante a noite. (…)

E por causa desses onze minutos num dia de 24 horas (considerando que todos faziam amor com as suas mulheres, todos os dias, o que era um verdadeiro absurdo e uma mentira completa) eles casavam, sustentavam a família, aguentavam o choro das crianças, desmanchavam-se em explicações quando chegavam tarde a casa, olhavam dezenas, centenas de outras mulheres com quem gostariam de passear à volta do lago de Genève, compravam roupa cara para eles, roupa mais cara ainda para elas, pagavam prostitutas para compensar o que lhes faltava, sustentavam uma verdadeira indústria de cosméticos, dietas, ginástica, pornografia, poder – e quando se encontravam com outros homens, ao contrário do que se diz, nunca falavam de mulheres.

Alguma coisa estava mal na civilização, e essa coisa não era a desflorestação amazónica, a camada de ozono, a morte dos pandas, o tabaco, os alimentos cancerígenos ou a situação nas penitenciárias como diziam os jornais.

Era exactamente aquilo em que ela trabalhava: o sexo. Mas Maria não estava ali para salvar a humanidade, e sim para aumentar a sua conta bancária…”. (pp.96-97).

Será que Maria se salvou? Aumentou mesmo a sua conta bancária? Que sonhos acalentava? Quem é o misterioso Ralf? E a sua confidente suíça?

Paulo Coelho faz uma reflexão romanceada sobre a actividade sexual, extrapolando o discurso teórico da medicina e da sexologia e centrando-se na prática sexual através de Maria. A obra explora também, com desenvoltura, duas problemáticas eternamente actuais e universais: a do orgasmo no feminino e a do clitóris.

E pronto. Se quiser saber mais só tem de ler 11 minutos, onde não falta, aliás, logo no início, uma passagem do Evangelho de S. Lucas, precisamente a que alude a uma pecadora e à sua defesa por Jesus junto de um Simão preconceituoso.

3 comments:

António Viriato said...

Prezada Confrade desta imensa confraria electrónica,

Peço licença para exarar aqui o seguinte comentário :

Curioso texto, este, sobre tema algo melindroso, para ser exposto assim, ao mundo anónimo, desconhecido.

Confesso que nunca me atraiu a prosa deste Paulo Coelho, que acho manhosa na sua urdidura, além de pouco escrupulosa, na sua base gramatical.

Para mim, basta que um «escritor», na sua prosa literária, use aquela irritante construção brasílica moderna, do tipo «Você já falou com teu pai?» para logo a sua leitura me causar insuportável urticária mental.

Bem sei que a forma não é tudo, mas acontece que acredito que, sem ela, pode haver comunicação, mas dificilmente haverá arte.

Ainda assim, a sua breve introdução a essa estranha obra de P. Coelho não deixou de me causar certo interesse.

Irei um dia destes, numa qualquer livraria ou num qualquer Supermercado, onde esta literatura tem presença exuberante, como, de resto, até a mais elaborada, há-de reconhecer-se, numa espécie de demonstração de democracia literária que não admite linhagens, nem pergaminhos, apreciar mais detidamente a obra que trata o tema aqui apenas aflorado.

Em todo o caso, notei alguma falta de emissão de opinião própria, ainda que, certamente, a tal não estivesse obrigada.

Votos de um Ano de 2009 pleno de êxitos, em particular, literários, no blogue e fora dele.

Rui Caetano said...

São temáticas que merecem,e, na minha opinião, muito bem,cada vez mais a atenção dos escritores e do restante mundo humano. A vida é para se viver até ao tutano dos dias e dos sentidos.
Um BOm Ano.

José Leite said...

O coito e a sua pedagogia, com a classe, a mestria e o savoire faire de quem percebe da poda...

Refiro-me não só a Paulo Coelho... mas também à sábia autora deste post de elevada carga pedagógica!

A vida, que não seja um coito interrompido... são os meus votos sinceros!