Por estes dias, "todos" os caminhos vão dar a Fátima: o altar do mundo, como a própria gosta de se apresentar.
Uns vão por fé, outros por moda, outros ainda porque é mais um destino no seu roteiro turístico, ou para celebrar anualmente o aniversário e sabe-se lá por que razões mais. Deslocam-se a pé, peregrinos na sua maioria com os coletes reflectores que usam para sua maior segurança, ou deslocam-se em autocarros nacionais e internacionais, ou ainda em carros particulares.
Seja pelo que for o resultado é o de uma cidade que se organizou, e muito, à volta do fenómeno de Fátima. Abundam assim as rotundas, os hóteis, o comércio de velas, rosários, estatuetas e afins, as pastelarias, os restaurantes, as ruas, os museus, tudo em nome dos três pastorinhos todos juntos, ou só da Jacinta Marto, ou só do Francisco Marto, (Lúcia, como morreu há pouco tempo, não tem direito, ainda, a honrarias que só o distaciamento temporal permite), ou com o nome Fátima, da cova da Iria e por aí fora.
É um negócio florescente. Parece estar bem de saúde. Fora este um negócio do mundo antigo e Fátima escancaria, também, o negócio da prostituição, conhecido como prostituição sagrada. Como refere, por exemplo José Tolentino Mendonça (ver nota), citando Heródoto (490/480 a.C.) na Babilónia (actual Iraque) toda a mulher natural do país tinha de ir, uma vez na vida, ao santuário de Afrodite e "unir-se a um homem estrangeiro. Muitas, evitando, por desdém, misturar-se com as outras, soberbas como são das suas riquezas, fazem-se transportar ao templo em carros cobertos e colocam-se ali, rodeadas por numerosas servas. Mas a maioria faz assim: no santuário de Afrodite põem-se sentadas com uma coroa de corda (sinal de obediência à deusa) em torno da cabeça; umas chegam, outras partem. Em todas as direcções, por entre as mulheres, existem passagens e atravessando-as os estrangeiros escolhem. Quando uma mulher tomou lugar ali não regressa a casa sem que um estrangeiro, atirando-lhe umas moedas, se tenha unido a ela" (p.23).
Ora bem. Muito haveria a dizer sobre este assunto e sobre esta citação. Porém, como Fátima não faz parte do mundo antigo a prostituição não pode ser sagrada e fica-se pelo lado oculto, no segredo de quem procura tais vivências. Por estes dias também se dirigem a Fátima prostitutas (que concorrem com as residentes) que vêem nos inúmeros peregrinos uma oportunidade de negócio, à semelhança de outros fenómenos que movimentem as massas: expos, campeonatos de futebol, etc.
No fundo, à volta de Fátima e do sagrado, vive-se o profano e joga-se a vida em todas as suas dimensões: comer, beber e ... orar.
Nota - Mendonça, José Tolentino (2003) As Estratégias do desejo. Lisboa, Ed. Cotovia