Wednesday, February 24, 2010

A natureza é feminina!

É preciso recuperar a normalidade a todo o custo. Essa é a dinâmica que vive a Madeira, quatro dias depois do temporal do dia 20 de Fevereiro de 2010 que causou, até ao momento, cerca de quarenta e duas mortes, vários feridos e desalojados.

Escrevo, sentada no meu quarto, aos comandos do meu portátil. A minha vida está condicionada pelo temporal. Desde logo a minha actividade profissional está afectada, assim como a de milhares de outros trabalhadores da administração pública regional (e não só) que esta semana ainda não foram trabalhar devido à tolerância de ponto.

Evita-se que a deslocação de pessoas pela cidade do Funchal atrapalhe a limpeza das principais artérias, onde se faz a remoção de objectos e matérias arrastados pelas águas – desde carros a electrodomésticos -, e a reposição dos leitos das ribeiras. Há muitas estradas cortadas à circulação automóvel. Inúmeras artérias ainda estão cheias de lama e terra ressequida. Neste momento chove, depois do lindo dia de ontem. As previsões são de agravamento do estado do tempo para amanhã e, sobretudo, de sexta para sábado.

A minha rua não foi afectada pelo temporal. Felizmente! Mas ela entronca com a Rua da Pena (onde vive o Presidente do Governo Regional) e a Rua das Hortas (a primeira vai dar à segunda, ou vice-versa…), duas das principais artérias afectadas. É por lá que passo diariamente quando saio de casa. Desde sábado que não passo por aí por aí. Saio de casa e desloco-me para trás da minha casa, onde vou ter à Igreja de Santa Luzia, descendo depois a Calçada da Encarnação. É um pouco mais longe, e é como fazer uma orelha para chegar ao meu destino, mas vale a pena se eu quiser evitar o lamaçal. Vejo outras pessoas da vizinhança a proceder da mesma maneira.

Tenho espreitado um ou outro dos trabalhos de limpeza da cidade. Há um esforço incondicional para a sua recuperação e os diferentes meios (públicos e privados) estão mobilizados a cem por cento. As autoridades políticas da administração central e local mobilizam-se para a reposição da ordem alterada pelo temporal. Fora do Funchal (baixa e zonas altas) a cidade de Ribeira Brava foi uma das mais fustigadas pelo mau tempo.

Tendo este cenário como pano de fundo, surgem-me várias reflexões que pretendo partilhar convosco devido a várias perplexidades perante alguns factos.

-Uma delas assola-me quando vejo uma das muitas imagens repetidamente transmitidas na televisão: uma ribeira com uma curva !!! cuja água transborda com grande violência quando tenta seguir em frente, como seria de esperar !!!

- Outra estranheza acontece ainda hoje, 4ª feira: uma escavadora a rebentar a estrada que cobre !!! o leito da ribeira de S. João, na tentativa de fazer com que a água retome o seu leito natural, uma vez que a mesma ainda corre fora do mesmo !!! É uma das zonas mais críticas da cidade!, ao pé do Centro Comercial Dolce Vita.

- Outra ainda prende-se com as queixas dos moradores de um prédio, que acusam a alteração do projecto inicial (a benefício de quem?), que acabou por sobrecarregar o previsto e estrangular a saída de águas. O resultado são inúmeros carros empilhados uns em cima dos outros e os manifestos prejuízos daí decorrentes, no sítio das Eiras, Camacha.

Além disto ouço queixas de pessoas atingidas que falam em alteração do traçado inicial dos leitos das ribeiras, da falta de limpeza das mesmas, da impermeabilização dos solos à sua volta pela construção imobiliária que impede a absorção das águas e potencializa a sua velocidade, das pontes baixas sobre as ribeiras que condicionam a subida do fluxo de águas, etc.

Tudo isto é muito, muito, desolador! Se é certo que não se podia evitar a intensa precipitação da chuva, fica a sensação de que os seus efeitos poderiam ter sido minorados.

Last, but not the least, sempre que acontecem desastres naturais de grande envergadura, lembro-me do seguinte: durante quase todo o século XX a ordem racional das coisas estipulava a divisão dicotómica entre diversas realidades que se oporiam de modo binário e hierárquico – do primeiro para o segundo termo -, de acordo com pares apresentados em polaridades. Assim, teríamos a separação entre homem/mulher; activo/passivo; razão/emoção; bom/mau; cidade/campo; cultura/natureza, sol/lua, etc. etc.

É claro que o par cultura/natureza representa respectivamente a cultura associada ao masculino (todos os primeiros termos das outras oposições binárias) e a natureza ao feminino. A primeira seria dominada, no Ocidente, até aos anos setenta, por um antropocentrismo que acreditava ser o ser humano dotado de poderes que lhe permitiriam subjugar a natureza, composta por recursos inesgotáveis, instrumentalizados em nome do desenvolvimento e do progresso. Por sua vez, a natureza (feminina) seria caprichosa, emotiva, mas dobrada, claro! pelo masculino.

Ora, perante as inúmeras catástrofes que têm assolado o planeta por este mundo fora parece-me que, afinal, quem sai triunfante é a natureza. Ela, tal qual qualquer ser feminino, pode dar a impressão de se deixar dominar… Contudo, quando decide revoltar-se …. é um ver se te avias! Arrasa tudo o que encontra à sua volta e acaba por dobrar o masculino à sua vontade !!! É por isso que se diz de muitas mulheres que são uma força da natureza! Nem mais!